Exposição Ron Mueck – Pinacoteca (São Paulo)
- almadeturista
- 23 de set. de 2018
- 4 min de leitura

Onde: Pinacoteca do Estado de São Paulo (Estação Luz do metrô – linha azul) Quando: 20/11/14 a 22/02/15 (aguardando a próxima 📷 )
A exposição Ron Mueck trouxe para o Brasil nove esculturas deste artista australiano. As obras são minuciosamente confeccionadas e, se não fosse pelas dimensões, poderíamos facilmente confundi-las com pessoas (e galinha) de carne e osso.
Unhas, pelos, rugas, linhas de expressão e músculos (muito ou nada definidos) compõem estes quase personagens. A expressão facial e olhar de cada um deles parecem falar com a gente.
Diferentemente de muitas exposições artísticas, esta não exigia muito conhecimento ou interesse prévio para apreciá-la. Realmente o grande atrativo aqui era a beleza (estranha, muitas vezes), a minúcia e as surpresas causadas pela observação atenta das esculturas.

Há muito que não via uma mostra tão popular. Era constante ouvir (ou ler) gente mencionando a exposição Ron Mueck. Um tinha ido e recomendado, outro ia no próximo fim de semana, outro falava muito entusiasmado sobre ir, mas, no fim, não foi (sempre acontece né).
Essa proximidade com o grande público e o bom e velho marketing “boca a boca”, certamente foram importantes fatores para que a Pinacoteca tivesse um recorde de público com esta mostra. Ao longo de três meses, a exposição Ron Mueck teve mais de 400 mil visitantes.
A fila
Todo esse público resultou, claro, em longas e longas filas. Muito impacientes que somos, resolvemos chegar duas horas antes do horário de abertura. Assim, pelo menos esperaríamos apenas duas horas e pronto. Obviamente, que sempre tem gente mais ligeira e, ao chegarmos, já havia umas 80 pessoas na nossa frente.
Ok. Podia ser pior. De tempos em tempos olhávamos os “retardatários” que desapareciam virando a esquina, no final daquele desalinhamento de gente interminável. Daí ficávamos mais conformados com a nossa própria espera.
Tudo corria como previsto até que o nosso querido astro rei Sol resolveu dar as caras. Nesse momento, acho que o pessoal que estava um pouco a frente curtindo a “vasta” sombra de um poste ficaram aliviados. Nós, por outro lado, ficamos com inveja da sorte deles. Uma meia hora depois de um bronzeamento contínuo e forçado, nós, com sede e com as panturrilhas já rosadas, desistimos e cedemos aos encantos dos vendedores ambulantes.
Compramos um guarda-chuva de um poliéster deplorável por um valor superfaturado: o clássico oferta versus demanda. Sentamos, então, naquele chão limpinho e fizemos uma cabana improvisada. Muito pequena, por sinal, para seres cabeçudos e de pernas compridas como somos. Lá ficamos, na nossa estufa, por quase uma hora. Até que a fila começou a andar.
As obras
Drift (À deriva)
Três horas depois da chegada, lá estávamos nós dentro da Pinacoteca. De cara com a primeira obra de Ron Mueck:

Na parede pintava de azul, estava o homem boiando verticalmente. Se está mesmo à deriva numa imensidão aquática ou só boiando em piscina, nunca saberemos.
Woman with Sticks (Mulher com galhos)

Peculiar, no mínimo. De certos ângulos a mulher parece nos encarar. Não sei bem explicar, mas ela me remeteu a alguma imagem nebulosa que eu criava mentalmente ao ler algum conto de fadas. Talvez parecida com a esposa do gigante do conto João e o Pé de Feijão. Ou alguma ancestral de Dwight Schrute (The Office), coletando galhos nas florestas bávaras.
Woman with Shopping (Mulher com as compras)

Uma mulher com um bebê pendurado no tórax, com aquele olhar vazio de gente imersa no cansaço ou rotina. Uma certa inquietação aqui diante dessa visão, talvez muito mais realista do que gostaríamos, de certos momentos extenuantes da maternidade.
Mask II (Máscara II)
Encontramos, então, o auto-retrato do artista:

Esta obra foi uma das mais fotografadas pelos veículos de comunicação, logo já era minha conhecida quando fui à Exposição Ron Mueck. Grande foi a minha surpresa, então, ao notar que, ao contrário de todas as demais, esta escultura era oca. Como o próprio nome evidencia, esta é uma máscara (em imensa escala).
Still Life (Natureza morta)
Continuando o trajeto, encontramos a estátua mais inusitada e, talvez perturbadora:

Cá temos a representação de uma galinha morta e depenada, pendurada de cabeça para baixo e com o corte fatal no pescoço. O nome escolhido para ela não poderia ser melhor: Natureza Morta.
Os detalhes, que já havíamos verificado nas representações humanas, continuam nesta estátua animalesca.

Young Couple (Jovem casal)

Agora sim. Podemos relaxar um pouco depois de vermos a galinha degolada. Casal bonitinho e meigo. Até que rodeamos a escultura:

Parece que interrompemos uma discussão (que seja apenas isso).
Youth (Juventude)

O jovem olha para o ferimento com uma expressão que tentamos traduzir. Parece quase uma descrença no que acaba de ocorrer.
Man in a Boat (Homem em um barco)
Nem botamos os pés na próxima sala e já se apresenta diante de nós um barco em tamanho real:

Seu ocupante desnudo, olha meio desconfiado ou preocupado o horizonte a frente. O modelo para esta obra foi o pai de Ron Mueck.

Couple under an Umbrella (Casal debaixo do guarda-sol)
Até aqui, vimos apenas versões em menor escala de representações humanas. A última obra, por outro lado, representa-nos em maiores proporções:

O casal idoso, em seus trajes de banho e com seu guarda-sol colorido, repousa nessa praia de pedra da Pinacoteca do Estado.
E atraem olhares. Muitos.

As veias dos pés, os pelos, a aliança que aperta o dedo da mulher, as unhas por cortar. Agora podemos ver mais ainda os infinitos detalhes que Ron Mueck traz a suas obras.
No meio de tantas figuras melancólicas ou, de alguma forma, transtornadas, os rostos razoavelmente passivos do casal, são o ponto máximo da felicidade retratada nesta exposição.
Exposição hiper-realista nos aspectos técnicos de construção das obras. Mas não só. O hiper-realismo das expressões e certa apatia das esculturas deixa-nas ainda mais humanas. Humanos não idealizados, mas duramente reais.
O artista: Ron Mueck
Ron Mueck nasceu em Melbourne, em 1958. Nascido em uma família que tinha como ofício a fabricação de brinquedos, desde criança ele conviveu com técnicas de criação e animação de bonecos.
Mais tarde, trabalhou durante anos com efeitos especiais e animação de personagens para televisão, cinema e publicidade.
O início de sua fase propriamente artística foi na década de 1990, após confeccionar figuras para uma exposição realizada por sua sogra (Paula Rego), em Londres.
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